quinta-feira, 25 de maio de 2017

SUSTENTABILIDADE

Mudança do Código Florestal ‘anistiou’ 

41 milhões de hectares


Estudo mostra que o setor produtivo “ganhou” pelo menos 41 milhões de hectares de terras há cinco anos, quando foi modificada a principal lei que rege a proteção da natureza em áreas privadas, o Código Florestal
Estudo mostra que o setor produtivo “ganhou” pelo menos 41 milhões de hectares de terras há cinco anos, quando foi modificada a principal lei que rege a proteção da natureza em áreas privadas, o Código Florestal Foto: Bruno Kelly/Reuters

 Em meio às discussões no Congresso sobre a redução das unidades de conservação no País liberando mais áreas para exploração, um estudo mostra que o setor produtivo "ganhou" pelo menos 41 milhões de hectares de terras há cinco anos, quando foi modificada a principal lei que rege a proteção da natureza em áreas privadas, o Código Florestal.
Esse é a estimativa mais recente do tamanho da área que foi desmatada ilegalmente no passado, mas foi liberada da necessidade de restauração com a mudança da lei, segundo cálculos de pesquisadores do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP). É uma área maior que Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará juntos. 

Os dados do trabalho foram passados com exclusividade ao Estado e serão divulgados nesta quinta-feira, 25, data que marca os cinco anos da sanção da lei, em São Paulo. Eles poderão ser acessados no site do Atlas da Agropecuária Brasileira.
Estudo anterior feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas logo após aprovação da nova lei tinha sugerido que essa anistia poderia chegar a 29 milhões de hectares. A vantagem do novo trabalho é que ele conta com dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para compor a malha fundiária do País, melhorando a modelagem usada para medir o tamanho do passivo no Brasil, ou seja, quanto foi desmatado ilegalmente e precisa ser recuperado. 
O CAR é um instrumento criado na nova lei, que estabelece que todos os proprietários de terra têm de registrar seus imóveis, revelando quanto da área é ocupado pela produção e quanto é preservado em Reserva Legal (RL) e Área de Preservação Permanente (APP), como nascentes e margens de rio. 
"Com as análises percebemos que a anistia, ou seja, a consolidação de áreas que tinham sido desmatadas até 2008, foi muito maior. São 36,5 milhões de hectares (Mha) de reserva legal e 4,5 Mha de APP. Numa tacada só da revisão da lei, a agricultura ganhou 41 milhões de hectares que, de outro modo, deveriam ser florestas", afirma Luis Fernando Guedes Pinto, gerente de certificação agrícola do Imaflora e um dos autores. "É importante ter essa perspectiva no momento em que se discute redução de unidade de conservação", complementa.
Passivo. O estudo aponta que o déficit atual de vegetação nativa é de 19 milhões de ha, sendo 11 Mha de RL e 8 Mha de APP. Essas sim são áreas que agora precisam ser recuperadas. 
E inova ao mostrar como se dá a distribuição desse passivo ambiental entre as propriedades. Dos quase 2 milhões de imóveis que estão em desacordo com o que estabelece a nova lei, 82% são pequenas propriedades, com menos de quatro módulos fiscais (MFs), 12% são médias (entre 4 e 15 MFs) e 6% são grandes (mais de 15 MFs). 
Mas quando se olha o total da área que está em não-conformidade com a lei (os 19 milhões de hectares), esse quadro se inverte: 59% está nas grandes propriedades, 35% nas médias e 6% nas pequenas. Essa análise é útil, defendem os autores, para direcionar as ações de regularização ambiental daqui para a frente.
"É uma enorme concentração da dívida em poucos imóveis grandes. Então é possível direcionar a estratégia de restauração, com monitoramento, para eles. Isso vai trazer um resultado rápido para a retomada dos serviços ambientais com a floresta recuperada e redução de emissões de gases de efeito estufa", afirma Gerd Sparovek, da Esalq. 
Para ele, com as grandes propriedades será possível alcançar a restauração em escala. E com os pequenos é possível ter trabalhos que possam trazer um ganho social, com a implantação de pagamentos por serviços ambientais.
Excedente. Segundo os autores, a boa notícia trazida pelo estudo é que ele revela que a oferta de ativos, áreas em que está sobrando floresta, é cinco vezes maior que o déficit, cerca de cem milhões de hectares. O que abre possibilidades para negócios de compensação entre produtores que estão devendo reserva legal e não tem como replantar em suas propriedades com aqueles que têm excedente.
Uma outra estimativa feita por Evaristo de Miranda, da Embrapa, tinha apontado um valor semelhante, cerca de 160 milhões de hectares de ativo, o que já vem sendo usado como argumento por uma ala ruralista de que então não é preciso restaurar mais nada.
Para André Nassar, diretor de Estratégia e Novos Negócios da Agroícone, o momento, porém, é de implementação. "O setor produtivo entende que a implementação do Código Florestal passa por: reduzir incertezas regulatórias, buscar soluções operacionais aos produtores que precisam restaurar e que querem remunerar excedente de reserva legal e viabilizar produtos de financiamento (crédito rural e mercado de capitais). Vamos colocar esse Código Florestal no chão! Questioná-lo não é bom nem para a agenda ambientalista", diz.
Para lembrar. A Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que alterou e substituiu o antigo Código Florestal, foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 25 de maio de 2012, depois de pelo menos três anos de discussões no Congresso e muita polêmica, o que selou a divisão entre ambientalistas e ruralistas. Entre os itens mais polêmicos, o texto criou mecanismos que perdoaram alguns desmatamentos ocorridos até julho de 2008. Com isso, essas áreas ficaram dispensadas da necessidade de recuperação. Todos os imóveis menores que 4 módulos fiscais, por exemplo, foram dispensados de recuperar reserva legal. A lei também modificou o tamanho das Áreas de Preservação Permanente hídricas, de acordo com o tamanho das propriedades, reduzindo sua proteção.

Fonte: O Estado de S.Paulo/Giovana Girardi

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